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APROVA DEUS A ESCRAVIDÃO?


Robert Santos

Escravos americanos do General Thomas F. Drayton - 1862

Antes de adentrar o tema, o primeiro passo é considerar e entender como era regulada a escravidão na Bíblia, somente após isso vamos adentrar ao fato se ela é ou aprovada. A escravidão, entre os israelitas, isto é, na Lei, era tolerada, inicialmente o que leva alguém a ser escravo?  '>E qual era o tratamento dado aos escravos? Pois bem, a essas perguntas está 1Estes são os estatutos que lhes proporás. 2Se comprares um servo hebreu, seis anos servirá; mas ao sétimo sairá livre, de graça. 3Se entrou só com o seu corpo, só com o seu corpo sairá; se ele era homem casado, sua mulher sairá com ele. 4Se seu senhor lhe houver dado uma mulher e ela lhe houver dado filhos ou filhas, a mulher e seus filhos serão de seu senhor, e ele sairá sozinho. 5Mas se aquele servo expressamente disser: Eu amo a meu senhor, e a minha mulher, e a meus filhos; não quero sair livre, 6Então seu SENHOR o levará aos juízes, e o fará chegar à porta, ou ao umbral da porta, e seu senhor lhe furará a orelha com uma sovela; e ele o servirá para sempre. 7E se um homem vender sua filha para ser serva, ela não sairá como saem os servos. 8Se ela não agradar ao seu senhor, e ele não se desposar com ela, fará que se resgate; não poderá vendê-la a um povo estranho, agindo deslealmente com ela. 9Mas se a desposar com seu filho, fará com ela conforme ao direito das filhas. 10Se lhe tomar outra, não diminuirá o mantimento desta, nem o seu vestido, nem a sua obrigação marital. 11E se lhe não fizer estas três coisas, sairá de graça, sem dar dinheiro. 16E quem raptar um homem, e o vender, ou for achado na sua mão, certamente será morto. 20Se alguém ferir a seu servo, ou a sua serva, com pau, e morrer debaixo da sua mão, certamente será castigado; 21Porém se sobreviver por um ou dois dias, não será castigado, porque é dinheiro seu. 26E quando alguém ferir o olho do seu servo, ou o olho da sua serva, e o danificar, o deixará ir livre pelo seu olho. 27E se tirar o dente do seu servo, ou o dente da sua serva, o deixará ir livre pelo seu dente." (Ex 21:1-11,16,20,21,27).

Basicamente, um hebreu ficaria escravo em 3 situações: a) em extrema pobreza, poderia vender sua liberdade ou a de seus filhos obviamente para ter como se sustentar, isso se dava também na hipótese de débito, o que normalmente evidencia dificuldades financeiras (Ex 21:2,7; 22:3; Lv 25:39; Dt 15:12; I Rs 9:22; II Rs  4:1; Ne 5:5; Jr 34:14); b) como punição ao roubo, se um ladrão roubasse algo e não tivesse como pagar (Ex 22:3,4); c) prisioneiro de guerra, isso pelos outros povos, situação em que um israelita o deveria comprar pra si, podendo revendê-lo para outro israelita (Lv 25). Para combater a pobreza, especialmente a possibilidade de miséria, havia mecanismos na Lei para o sustento dos pobres e contenção da pobreza, como: provisão de alimentos para os pobres (Lv 19:9,10; Dt 24:20,21; Ex 23:10,11), empréstimos para quem precisasse, o que deveria ser feito com liberalidade (Dt 15:7,8), inclusive refreando os juros (Ex 22:25; Lv 25:36,37). Portanto, diametralmente oposto ao que se pensa, a escravidão entre os israelitas, era ato extremo, para o qual se havia elevado abrandamento: "pois nunca deixará de haver pobre na terra; pelo que te ordeno, dizendo: Livremente abrirás a tua mão para o teu irmão, para o teu necessitado, e para o teu pobre na tua terra."(Dt 15:11).

Ainda sobre a escravidão entre eles, haviam dois períodos de tempo, o ano sabático, isto é, de sete em sete anos (Ex 21:2,3), e o ano jubileu, ou seja, o 50º ano (Lv 25:14), em outras palavras, depois da 7ª semana de anos, tempos nos quais o senhor deveria dar o resgate dos seus escravos, momento que deveria ser feito da seguinte forma: 12Quando teu irmão hebreu ou irmã hebréia se vender a ti, seis anos te servirá, mas no sétimo ano o deixarás ir livre. 13E, quando o deixares ir livre, não o despedirás vazio. 14Liberalmente o fornecerás do teu rebanho, e da tua eira, e do teu lagar; daquilo com que o SENHOR teu Deus te tiver abençoado lhe darás. 15E lembrar-te-ás de que foste servo na terra do Egito, e de que o SENHOR teu Deus te resgatou; portanto hoje te ordeno isso." (Dt 15:12-15). Sobre o tratamento dos escravos israelitas: "43Não te assenhorearás dele com rigor, mas do teu Deus terás temor. 53Como diarista, de ano em ano, estará com ele; não se assenhoreará sobre ele com rigor diante dos teus olhos." (Lv 25:43,53). Por estes versos e algumas passagens, podemos compreender que o escravo israelita não era mal tratado.

Havia outra classe de escravos, os estrangeiros, estes sim podiam ser escravizados, como os israelitas o poderiam ser por outros povos, isto é, comprado normalmente por pobreza ou capturado em caso de guerra. Logo alguém pensará, então os israelitas faziam os estrangeiros que vivessem com eles empobrecer e, de imediato, os comprariam como escravos, mas isso também não é fato, a Lei regulava isso também, estabelecendo direitos aos estrangeiros (Ex 12:49; Lv 24:22; Nm 9:14; Dt 1:16; 24:14,17; 27:19; Jr 22:3), inclusive o amor a eles: "18Que faz justiça ao órfão e à viúva, e ama o estrangeiro, dando-lhe pão e roupa. 19Por isso amareis o estrangeiro, pois fostes estrangeiros na terra do Egito." (Dt 10:18,19), "3E não fale o filho do estrangeiro, que se houver unido ao SENHOR, dizendo: Certamente o SENHOR me separará do seu povo; nem tampouco diga o eunuco: Eis que sou uma árvore seca. 4Porque assim diz o SENHOR a respeito dos eunucos, que guardam os meus sábados, e escolhem aquilo em que eu me agrado, e abraçam a minha aliança: 5Também lhes darei na minha casa e dentro dos meus muros um lugar e um nome, melhor do que o de filhos e filhas; um nome eterno darei a cada um deles, que nunca se apagará. 6E aos filhos dos estrangeiros, que se unirem ao SENHOR, para o servirem, e para amarem o nome do SENHOR, e para serem seus servos, todos os que guardarem o sábado, não o profanando, e os que abraçarem a minha aliança," (Is 56:3-6).

Voltando ao direito dos escravos, agora de forma geral, eles poderiam ser prosélitos, quer dizer, seguirem o judaísmo (Ex 12:44; Dt 12:18; 29:10-13; 31:10-13), o mutilado por seu mestre devia ser posto em liberdade (Ex 21:26,27), os fugitivos deveriam ser bem tratados e não devolvidos ao seu mestre (Dt 23:15,16), direito de participar das festas (Dt 16:14), direito ao descanso aos sábados (Ex 23:12) e não se podia sequestrar ou roubar um homem (Ex 21:16; Dt 24:7), sendo esta um mote importante para demonstrar o sentido da Lei sobre a escravidão, ela permite e regula, não a impõe. Aduzindo ao exposto: O direito dos escravos era reconhecido: "13Se desprezei o direito do meu servo ou da minha serva, quando eles contendiam comigo; 14Então que faria eu quando Deus se levantasse? E, inquirindo a causa, que lhe responderia? 15Aquele que me formou no ventre não o fez também a ele? Ou não nos formou do mesmo modo na madre?" (Jó 31:13-15), os quais, muitas das vezes eram tratados com delicadeza (Pv 29:21), uma outra pessoa não deveria acusar um servo perante o senhor dele (Pv 30:10), justamente também por descumprimento de deveres para com seus escravos, Judá foi destruída (Jr 34:11).

Chegando ao Novo Testamento, precisa fazer uma rápida digressão histórica, os judeus estavam sob o domínio do império romano, que ditava as leis, e a escravidão do império normalmente era vitalícia e os escravos nem de longe gozavam de direitos, um exemplo da opressão romana é que um soldado poderia compelir um judeu (ou mesmo outro de qualquer povo dominado) a fazer algo, levar algum objeto a certa distância, por isso, o Supremo Mestre disse: "e, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas." (Mt 5:41), assim o Novo Testamento exorta como os cristãos escravos deveriam se portar para com os seus senhores, ensina que os escravos crentes devem procurar se libertar, mas não ter muito cuidado com isso (I Co 7:21-23), por causa de Cristo, ser sujeito aos seus senhores (Cl 3:22-25; I Tm 6:1,2; I Pd 2:18-21), e também exorta gerais aos senhores e servos (Ef 6:5-9), sendo que aos senhores o dever de tratar bem os escravos (Cl 4:1), observações que se estendem também aos trabalhadores assalariados: "eis que o jornal dos trabalhadores que ceifaram as vossas terras, e que por vós foi diminuído, clama; e os clamores dos que ceifaram entraram nos ouvidos do Senhor dos exércitos." (Tg 5:4), (Lv 19:13; Dt 24:14,15; Jó 24:10,11; 31:38,39; Is 5:7; Jr 22:13; Hc 2:11; Ml 3:5; Cl 4:1).

O Novo Testamento mais ainda prega a igualdade de todos em Cristo: "nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus." (Gl 3:28), ainda vale ler, neste momento a carta a Filemom, peço que o leitor se reporte, só são 25 versos, mas por o assunto já estar extenso não transcreverei aqui. Sumariando tudo o que foi dito, a Bíblia regulava a escravidão, que normalmente era voluntária e ligada a falta de dinheiro ou por ser presa de guerra, todos os escravos tinham direito, inclusive ao descanso, e o ânimo da Lei, em punir com pena de morte os traficantes de escravos, deixa claro que jamais foi algo querido, tão somente regulado e, em especial, os escravos eram incorporados na sociedade. Ainda friso que há uma grotesca diferença entre o tipo de escravidão acima mencionada e a praticada por outros povos, normalmente opressiva e contra os índios e negros. A pergunta então é, por qual motivo a Bíblia regula já que não aprova? A resposta é simples, é um código de defesa do escravo, concedendo-lhe direitos mínimos. Ainda insisto em um ponto, se os escravocratas que se diziam seguir a Bíblia, neste ponto, a aplicasse seguramente não imporia a escravidão. A disparidade fica ainda maior se comparada com o tipo de escravidão dos povos vizinhos a Israel!

Por segundo, a Bíblia não foi escrita para ser um livro que ensina ciências naturais, também não o foi para ser um livro sociológico, ela foi escrita para mostrar aos homens o caminho de volta ao seu Criador, fato normalmente esquecido, justamente por isso a Bíblia menciona diversas coisas, porém não as ensina, tão somente menciona, entre elas a escravidão, de igual modo que havia divórcio e a poligamia e foram regulados, mas nunca foi querido por Deus; por terceiro, a Bíblia, mais precisamente o Novo Testamento assenta uma divisão, separação plena entre igreja e estado: "e Jesus, respondendo, disse-lhes: Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. E maravilharam-se dele." (Mc 12:17), sendo que cabe ao estado, ao governo legislar sobre diversos assuntos e não a igreja.

Ainda restou uma passagem em Lc 12:47, o pessoal gosta de torcer o escrito, citam dois, três versos e simplesmente não lêem os versos precedentes nem os seguintes, o verso Lc 12:41-48: "41E disse-lhe Pedro: Senhor, dizes essa parábola a nós, ou também a todos? 42E disse o Senhor: Qual é, pois, o mordomo fiel e prudente, a quem o senhor pôs sobre os seus servos, para lhes dar a tempo a ração? 43Bem-aventurado aquele servo a quem o seu senhor, quando vier, achar fazendo assim. 44Em verdade vos digo que sobre todos os seus bens o porá. 45Mas, se aquele servo disser em seu coração: O meu senhor tarda em vir; e começar a espancar os criados e criadas, e a comer, e a beber, e a embriagar-se,46Virá o senhor daquele servo no dia em que o não espera, e numa hora que ele não sabe, e separá-lo-á, e lhe dará a sua parte com os infiéis. 47E o servo que soube a vontade do seu senhor, e não se aprontou, nem fez conforme a sua vontade, será castigado com muitos açoites; 48Mas o que a não soube, e fez coisas dignas de açoites, com poucos açoites será castigado. E, a qualquer que muito for dado, muito se lhe pedirá, e ao que muito se lhe confiou, muito mais se lhe pedirá.".

Não farei comentário visto estar claro não ser uma apologia a escravatura: "42Mas Jesus, chamando-os a si, disse-lhes: Sabeis que os que julgam ser príncipes dos gentios, deles se assenhoreiam, e os seus grandes usam de autoridade sobre eles; 43Mas entre vós não será assim; antes, qualquer que entre vós quiser ser grande, será vosso serviçal;" (Mc 10:42,43), "fostes comprados por bom preço; não vos façais servos dos homens." (I Co 7:23), "nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo." (Fp 2:3), "9Sabendo isto, que a lei não éfeita para o justo, mas para os injustos e obstinados, para os ímpios e pecadores, para os profanos e irreligiosos, para os parricidas e matricidas, para os homicidas, 10Para os devassos, para os sodomitas,para os roubadores de homens, para os mentirosos, para os perjuros, e para o que for contrário à sã doutrina," (I Tm 1:9,10), "lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles, e dos maltratados, como sendo-o vós mesmos também no corpo." (Hb 13:3).

Diferente do muito propalado, a Bíblia, além de não defender a escravidão, abriu caminho para que se encerrasse, quando ela trata deste tema tão somente o faz para proteger o escravo, garantindo-lhe direitos mínimos ao descanso, ao não dano, e à integração social, algo muitissimamente muito diferente do praticado por outros povos. Convido o leitor a estudar parte do direito comercial, como era regulada a falência, mais especificamente o porquê da palavra bancarrota.

Aproveitando e finalizando o tema, o homem nasce em uma escravidão esta é espiritual: "16Não sabeis vós que a quem vos apresentardes por servos para lhe obedecer, sois servos daquele a quem obedeceis, ou do pecado para a morte, ou da obediência para a justiça? 17Mas graças a Deus que, tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues. 18E, libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça. 19Falo como homem, pela fraqueza da vossa carne; pois que, assim como apresentastes os vossos membros para servirem à imundícia, e à maldade para maldade, assim apresentai agora os vossos membros para servirem à justiça para santificação.20Porque, quando éreis servos do pecado, estáveis livres da justiça. 21E que fruto tínheis então das coisas de que agora vos envergonhais? Porque o fim delas é a morte. 22Mas agora, libertados do pecado, e feitos servos de Deus, tendes o vosso fruto para santificação, e por fim a vida eterna." (Rm 6:16-22), esta éo ensino e objetivo bíblico, libertar homens desse reino de trevas.